O paradoxo de ser amor

O paradoxo de ser amor

“ELE, EXISTINDO EM CONDIÇÃO DIVINA, NÃO AMBICIONOU SER IGUAL A DEUS, MAS DESPOJOU-SE, ASSUMINDO A CONDIÇÃO DE ESCRAVO E TORNANDO-SE IGUAL AOS HOMENS” (FL 2,6-7)

Paulo escreveu aos cristãos de Corinto: Jesus crucificado é a “potência de Deus, a sabedoria de Deus” (1Cor 1,24-25). Isso é surpreendente porque, aparentemente, o crucificado é o ápice do fracasso e da falta de luz. Como, então, Paulo pôde ver exatamente nele crucificado a força e a inteligência de Deus?

Esse é um dos paradoxos da nossa fé e da vida cristã: viver morrendo, crescer diminuindo, elevar-se rebaixando, é dando que se recebe, encontrar-se perdendo, alcançar a vitória fracassando. Assim, no momento em que Jesus parece ser “menos Deus” é que Ele é, se assim se podemos dizer, “mais que Deus”: é amor, o Amor.

De fato, na sua pequenez podemos ver a sua grandeza e a imensidão de seu amor por nós. É na sua kenosi (palavra grega que significa esvaziamento), no seu rebaixamento e na sua descida entre nós que vemos a profundidade da sua compaixão por nós e a determinação da sua vontade de elevar-nos a Ele. É no seu fazer-se ignorância – “por quê?” – que vemos a sua sabedoria e a luz que ilumina toda a treva de nossas vidas.

É no seu fazer-se fraqueza, pobreza, fracasso que vemos o quanto é forte, rico e vitorioso seu modo de agir e comportar-se. É no seu tornar-se “maldição por nós” e no seu ser tratado como “pecado” a nosso favor que vemos a pureza do seu amor por nós e que recebemos a abundância da sua graça que nos redime e salva.

A divindade de Jesus não se expressa fora e distintamente da sua humanidade. É exatamente no seu modo de ser homem que podemos descobrir os traços da sua natureza divina que é toda e só amor, o Amor. Ele é o homem como Deus sempre desejou exatamente porque é Deus, o amor do qual todo ser humano é imagem. Ao mesmo tempo é na sua encarnação, no seu rebaixamento e na sua desapropriação de si, a ponto de sentir-se abandonado pelo Pai, que Ele nos revela verdadeiramente que é Deus, o que significa ser Deus, qual é a verdadeira face de Deus, a essência de Deus, o que é amor e como Deus ama.

Em Jesus não há nenhuma oposição nem contradição entre o humano e o divino. Ao contrário, podemos dizer que Ele é tão mais Deus por ser homem e ao mesmo tempo é tão homem que é Deus, Amor.

Em Jesus, o humano e o divino são uma realidade só, mesmo sendo e permanecendo distintos.

 Ele sempre submete sua humanidade à vontade do Pai, seguindo plenamente a ação do Espírito Santo. Vive plenamente sua humanidade e cresce como Filho diante do Pai.

Se Jesus pode permanecer Deus e viver como Deus Amor nos limites da condição humana, isso significa que a natureza humana é capaz de “trazer” a divindade e aliar-se a ela. Se Jesus pode viver em Deus sendo homem, isso significa que nós, mesmo sendo e permanecendo humanos, podemos ser participantes da natureza divina. É o que a Sagrada Escritura faz entender de muitos modos: “A todos o que o aceitam deu o poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1,12); “Com isso Ele nos deu os bens grandiosíssimos e preciosos a nós prometidos, a fim de que por Ele nos tornemos participantes da natureza divina”(2 Pd 1). Esse é o motivo pelo qual Deus se fez homem.

Os grandes teólogos explicam isso de vários modos: “Deus se faz Filho do Homem para que o homem, entrando em comunhão com Ele – em Cristo, Palavra viva do Pai – e recebendo assim, a condição de filho do homem, tornasse-se Filho de Deus”(Irineu de Leão, Tratado contra as heresias); “O Filho de Deus se fez homem para nos fazer Deus” (Atanasio de Alexandre, Tratado sobre a encarnação); “O Filho unigênito de Deus, querendo que nós fôssemos participantes da sua divindade, assume a nossa natureza, para que feito homem, fizesse os homens deuses” (Tomás de Aquino, Opusculum 57, na festa de Corpus Christi); “Deus se encarnou, e o homem tornou-se Deus, pois unido se faz um com Ele. Aí está a plenitude do Amor que quis que eu me tornasse Deus tanto quanto Ele se tornou homem” (Gregório Nazianzeno, Discurso teológico).

Jesus, permanecendo Deus, vive de Deus Amor nos limites da condição humana. Isso significa que a natureza humana é capaz de “trazer” em si a divindade e viver em relação íntima e profunda com ela. Essa é a nossa vocação, a vocação de todo ser humano: ser amor, ícone de Deus, cada um a seu modo, com a própria personalidade, mas autenticamente assumindo e vivendo a vida divina, raios de luz daquele que é a Luz.

Jesus crucificado é a imagem perfeita de Deus que assume a natureza humana e vive as condições humanas. É exatamente quando Ele não parece nem mais um ser humano, reduzido a um “verme”, que Ele revela a todos verdadeira e plenamente o que significa Deus se fazer carne, homem: um nada, por amor. É nesse seu fazer-se nada, até sentir-se abandonado pelo Pai, que se pode ver sua divindade. É nesse momento na cruz que Ele se revela exatamente Deus e faz resplandecer como nunca a imensidade e a infinitude do seu ser amor e do amor do Pai para todos nós. É aí na cruz que Ele revela a verdadeira face, o verdadeiro vulto de Deus, e desfaz todas as nossas falsas imagens e caricaturas de Deus, nossas representações humanas que fazem sempre uma distorção do mistério de Deus e de seu amor, fruto de nossas fantasias, nossos delírios de onipotência e desejos em “ser Deus”.

Fonte: Revista Ave Maria

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